O marco legislativo do combate à pobreza menstrual
A Pobreza Menstrual é uma condição que afeta diversas pessoas menstruantes, em sua maioria negras ou pardas. Essa questão envolve não ter acesso a informação, infraestrutura, medicamentos e a produtos que possibilitem o gerenciamento adequado da menstruação.
A expressão “Pobreza Menstrual” passou a ser tema de debate na mídia no Brasil e se ampliou nas discussões da opinião pública, a partir da polêmica criada em torno do veto do ex-presidente da república Jair Bolsonaro, à instituição do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. Dentre os vetos a importantes artigos da proposta de Lei publicada, inicialmente em 06/10/2021, destaca-se a uma alteração na Lei 11.346/2006, que passaria a vigorar acrescida do parágrafo único, no qual determinava que, as cestas básicas entregues no âmbito do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), deveriam conter como item essencial o absorvente higiênico.
Outros artigos relevantes também foram vetados, eles estabeleciam tanto os beneficiados quanto à metodologia para a criação de um programa governamental de combate à pobreza menstrual. Dito isso, a versão final da lei aprovada não garantiu seu principal propósito de erradicação da pobreza, das desigualdades e a dignidade das pessoas mais vulneráveis social e economicamente.
Posteriormente, o veto foi derrubado no Congresso Nacional, inclusive após diversas manifestações da opinião pública e a Lei foi publicada em sua íntegra em 18/03/2022. Então, a Lei 14.214/2022 efetivamente criou o programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, que visa a oferta gratuita de absorventes higiênicos e outros cuidados básicos de saúde menstrual a um público muito específico. Contemplam-se como beneficiárias: estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino; mulheres em situação de rua ou em situação de vulnerabilidade social extrema; mulheres recolhidas em unidades do sistema prisional e mulheres internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa.
Apesar do avanço dado com a criação da Lei, pós derrubada dos vetos, sabemos que temos muito o que reivindicar. A Lei é indispensável para que se possa legitimar qualquer ação em nível governamental, em face à observância ao princípio da Legalidade da Administração Pública. A Lei condicionou sua aplicabilidade a existência de um regulamento que estabeleceria a competência de cada ente, responsável por cada atividade, a exemplo da Educação, Saúde e Segurança. O regulamento foi publicado através do Decreto 10.989 de 08/03/2022 e a distribuição de absorventes, passa a ser de competência, prioritariamente, do Ministério da Saúde. Exceto nos casos das mulheres inseridas no sistema prisional e daquelas internas em cumprimento de medida socioeducativa, cujo orçamento corre por conta do fundo penitenciário.
Infelizmente, apesar da existência da Lei, percebe-se que não será imediato o cumprimento da finalidade para qual foi criada, pois o primeiro orçamento elaborado a partir da criação da Lei, ainda na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, reduz significativamente os recursos destinados para atender o programa de assistência à saúde primária, ao qual o programa de proteção e promoção a saúde menstrual está vinculado. De acordo com a proposta de Lei Orçamentária para 2023, enviada pelo chefe do Poder Executivo em 2022 e aprovada pelo Congresso Nacional, os recursos para assistência à saúde primária que eram da ordem de 34 bilhões em 2022 foram reduzidos para 28 bilhões. Já os recursos orçados para atender ao Sisan, que eram de 66 milhões em 2022 foram suprimidos para 25 milhões no orçamento de 2023 (Lei Orçamentária 14.436 de 09/08/2022).
Nota-se que a pauta apresenta uma constante dualidade de avanços e retrocessos. Porém é necessário frisar, que até mesmo a aprovação da lei ocorreu tardiamente, se levarmos em consideração que desde de 2014 a Organizações da Nações Unidas (ONU) reconhece a saúde menstrual como uma questão de saúde pública e de direitos humanos. É válido ressaltar que a legislação brasileira nesse quesito também está em consonância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, uma coleção de 17 metas globais estabelecidas pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Eles estão inseridos no que a ONU intitula de Agenda 2030. Estes estabelecem metas para efetivação dos direitos humanos, do desenvolvimento sustentável, com justiça, paz e erradicação da fome e miséria.
A pressão da opinião pública e atuação governamental é imprescindível para reverter esse quadro de sucateamento da estrutura da administração pública bem como a exigência para eficácia do que foi proposto na lei e do que é proposto no debate global.
Enquanto isso, as empresas privadas, sociedade civil organizada e ativistas são indispensáveis para que possamos adotar medidas de minimização da situação de pobreza menstrual no país.
Nós da Ciclo Fraterno atuamos em consonância com os ODS e visamos ser um instrumento de redução da pobreza menstrual no estado de Sergipe assim como um instrumento de pressão e luta para que a eficácia da legislação brasileira aconteça. Afinal, dignidade menstrual é um direito!
Ana Filipin
Voluntária da Ciclo Fraterno.
Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de Sergipe e bacharel em Direito.